sábado, 24 de março de 2012

o velho no escuro

eram quatro horas da manhã, quando me levantei e percebi que algo estranho estava acontecendo. o furor da penumbra deixava de pé todos os pequenos fiapos de cabelo em minha nuca. não me mexia, porém, precisava alcançar o interruptor. fazia frio e tudo que eu escutava, eram alguns arranhões na janela. meu corpo ficou imóvel e estático, como se alguém estivesse me segurando. segurando minhas mãos e pés, para que eu não saísse dali. quando finalmente consegui levantar, dei de encontro com algo totalmente desconhecido para mim. exalava um perfume de cal virgem e suor. era uma figura estranha, me olhando, sem se mover. não quis tocá-la. fiquei com um certo receio. supus que não sairia dali. ou ficaria me encarando a noite inteira. tive uma sensação de vazio percorrendo todo o meu interior. começava nos intestinos e logo chegava a garganta. suspirei. fechei meus olhos e quando os abri novamente, tudo havia mudado. não conseguia enxergar as paredes do meu quarto. era tudo escuro e vasto. não havia ninguém na minha frente. apenas a escuridão, com seu manto negro e delicado, convidando para acompanhá-la. segui a diante. dei uns dez ou vinte passos. parei por um segundo. respirei fundo. não conseguia enxergar um palmo se quer diante do meu nariz. não sou uma pessoa com um nariz pequeno ou coisa assim, mas realmente não enxergava absolutamente nada. Senti um calor vindo em direção as minhas costas. resolvi olhar cuidadosamente para trás. havia uma luz, que brilhava cuidadosamente em meio ao breu. resolvi voltar alguns passos para poder olhar de perto o que exatamente era aquela luz amarelada, quase apagada, sem nenhum calor ou sentimento. apenas uma luz fria e esquecida em meio a um deserto de trevas eternas. andei devagar. não queria ser notado, se caso a aparição voltasse a se mostrar em minha frente. tive medo por alguns segundos, mas a sensação logo foi embora, e o ardor no peito passou despercebido. consegui respirar normalmente. senti meu coração desacelerar. percebi um leve cheiro de fumaça e cera derretida, ardendo e queimando lentamente.
estava bem próximo, quando notei um senhor, solitário, sentado em uma cadeira de madeira e veludo, frente a uma escrivaninha, segurando algo em uma das mãos.ao lado direito deste senhor, havia uma vela. uma vela acessa, transbordando energia, em tons pastéis, marcando claramente uma mancha em lusco fusco ao redor do velho. continuei andando. por algum motivo, aquilo tudo estava me deixando muito desconfortável. voltei sentir uma falta de ar inexplicável. não conseguia pensar direito, meu coração acelerou. parecia estar subindo pela minha garganta. não conseguia engolir minha saliva. estava muito nervoso. tentei me acalmar. coloquei as mãos no bolso e encontrei um cigarro. o acendi.
fumei lentamente cada trago. apreciei cada milímetro dele. senti o estalar do tabaco mal picado ardendo em brasas. conseguia sentir o calor em meus lábios. tomei coragem, e toquei o velho em seu ombro.
fiquei com a mão ali por um tempo. e ele continuou escrevendo. sem esboçar nenhum movimento se quer. não conseguia olhar em seu rosto. simplesmente não conseguia. notei seus dedos cansados e enrugados, suas mãos trêmulas, enquanto rabiscava algo que também, eu, não conseguia ler.
então, quando estava prestes a falar algo, ele se virou para mim, com seus olhos ferozes, porém, muito tristes e carregados de um certo amargor doce e amigável. simplesmente fiquei olhando para ele por um tempo. ele também não me disse nada. ficamos quietos, calados. então ele parou de escrever. repousou a caneta lentamente sobre o papel. arrastou a cadeira para trás. neste momento, eu tirei minhas mãos de cima dele e me afastei alguns passos. ele se levantou. o movimento parece que levou uma eternidade, tamanha era sua calma e suavidade. parecia tranquilo, porém muito fraco e abatido.
ficou de frente para mim, na mesma posição em que eu me encontrara. me olhou a fundo nos olhos. ficamos ai, olhando um ao outro. cada movimento, cada expressão. quando, de repente, notei seus detalhes, suas feições.  então tomei um susto, me arqueei para trás e me deparei olhando para eu mesmo.


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